Saudações à Nossa Senhora de Fátima


Sede benvinda, Nossa Senhora de Fátima, excelsa portadora, nesta hora de penúria e desassossego dos povos, de uma exortação de fé que é o bálsamo infalível dos espíritos.

Conheceis, ó Santa Peregrina, os caminhos do mundo. Vindes percorrendo um mundo que se esgota e apavora. Que tem fome e tem medo. A terra exausta já não dá o que comer. E domina, por toda parte, o terror da ruína total, do sacrifício das gerações que, antes de se curarem das últimas feridas, ainda cobertas de cicatrizes, pressentem a aproximação de outras catástrofes.

Invade os corações o pânico de outras guerras, de outras convulsões, de outras sangueiras. Escuta-se o tropel das arremetidas carniceiras que deixaram uma herança de maus instintos para instrumento de novas devastações.

O futuro que era o aceno promissor, o convite de dias melhores, o alvo das esperanças mais esquivas passou a ser o pavor do desconhecido, o caos em que todas as ilusões poderão abismar-se.

Tudo marcha palmilhando um campo de vulcões adormecidos, entre pressentimentos e sobressaltos.

Há, de um lado, o ar opressivo, horizontes toldados, perspectivas inquietadoras, sinais de destruição e, de outro lado, a onda inativa, a renúncia, o abandono, a rendição, diante do caso perdido, do suicídio de um mundo sem coragem de salvar-se. E, como uma trágica volúpia, a sofreguidão de aproveitar os restos do festim. Apetites que devoram tudo, até as almas. Um utilitarismo insaciável a sugar as últimas gôtas de sangue do organismo desfeito.

Mas, no meio de perdição, há virtudes vigilantes. Há um patrimônio espiritual a reagir contra a dissolução mortal.

Ficou o eterno. O que não se destrói por ser uma reserva da eternidade. Ficou o espírito inesgotável que poreja do céu, como um orvalho matinal a refrescar as almas.

Só um movimento de consciências militantes, a reação organizada contra o materialismo corrosivo que atrofia a sensibilidade humana, o império da civilização cristã poderão restaurar o benefício da paz e a alegria que desertou dos corações.

Convocai, Nossa Senhora de Fátima, todas as forças morais que emergem do sentimento religioso para que o homem possa ser melhor, e a sociedade se purifique, e as nações se pacifiquem. Para que a humanidade não se afunde na vasa do vício e pecado e não se derrame o sangue dos inocentes.

Ninguém é obrigado a crer. A fé é um tesouro de almas eleitas, uma flama que não se acende nos antros. Mas basta a visão do Alto. O sol é um só e ilumina o universo.

Estendei, Nossa Senhora de Fátima, a mão pacificadora e benfazeja. E ninguém vai desesperar.

Diante de vossa convocação, as fontes de piedade jorrarão.

Correm todos ao vosso encontro. As vidas malogradas reanimam-se. As esperanças que renovam as almas porque se alimentam do futuro desabrocharam à vossa passagem. Palpitam novas imagens nas transparências do infinito, como alvíssaras à terra abandonada, pela vossa vista.

Com a vossa presença tudo se transfigura. Passam os traumatismos, as tormentas, os desenganos. Descerram-se os lábios para as preces e para as promessas ansiosas que esperam milagres.

O fluxo humano levanta seu grito para os céus, tão belo, tão vibrante, que escala as alturas, para descer, como a chuva, que evaporando-se dos charcos, cai purificada.

Nem os doentes, nem os famintos perderam a voz. Todos cantam em vosso louvor. Se muitos não estão presentes, enxugai-lhes as lágrimas já tão copiosas que levaram todas as culpas.


Comovei o egoísmo que esconde as mãos, e as necessidades serão menores. Tocai o coração dos ricos que ele se abrirá para os pobres. Só o benfeitor tem a semelhança de Deus: cria outra alma.

Tende piedade dos que pedem e dos que não tem o que dar, que é uma humilhação maior. Ajudai a quem ajuda. Enchei de dádivas as mãos que espalham o bem para que sejam pródigas como as mãos que semeiam.

Agradecemos vossa aparição, ao ar livre, debaixo de um céu que é vosso.

Ouvistes, na vossa jornada, as notas da natureza. No vosso itinerário sem fronteiras, sentistes a alma dos caminhos e a alma das ruas. E aqui chegais, aureolada pelo mistério, coberta de flores e coberta de beijos.

Mergulhais na intimidade das multidões que, neste momento emocional, enchem vosso regaço das pérolas que se ocultam na profundidade de seus sentimentos mais puros.

As moças carregaram vosso andor, como quem carrega um pedaço do Céu.

Este dia é vosso. Esta semana será vossa. Esta cidade é toda vossa.

Nossa Senhora das Neves espera a vossa companhia, como irmã, como se fosse ela própria com outra invocação, exultando de ver que vossa festa é maior que sua festa.

Nossa Senhora das Neves vos acolhe, ó Peregrina, nesta hora vespertina de descanso, em que desceis leve como uma nuvem, bela como uma estrela que se tivesse debruçado sobre o povo, para matar ao vosso lado as saudades do Céu e pedir vossa Benção para a terra de seu altar e de suas novenas.

Deixai impregnada em sua velha Catedral a visão de vossos milagres, para que a salvação que ela promete no Céu comece logo na terra.


José Américo de Almeida, “Saudações à N. S. de Fátima”, 1953


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