Discurso na solenidade de reposição da imagem Cristo crucificado no tribunal do Júri da Paraíba


Quanta vez o tribunal do júri tem sido o balcão, onde tine a moeda da venalidade! Quanta vez a balança da justiça tem servido para pesar graças e privilégios pessoais! Quanta vez se tem feito entre os jurados a cabala das forças eleitorais! Quanta vez a passividade dos poltrões e dos aduladores tem feito suas mesuras aqui dentro! Quanta vez, finalmente, a espada da lei tem sido o cutelo da inocência imolada! Qualquer que seja o critério da pena na diversidade das escolas ‒ a liberdade moral, a defesa social, a coação psicológica ‒ o conceito de justiça é sempre uma emanação ética. 

Mas entre todos os sistemas filosóficos e entre as diversas religiões não sabemos de mais sólida justiça do que aquela que propõe Jesus de Nazaré, vítima da mais clamorosa iniquidade humana que nunca se viu! 


A escola jônica, conceituando a justiça como “a emanação daquele elemento de ordem que mantém a harmonia universal;” a escola eleática, como a “necessidade superior à ordem física, que torna impossíveis as cousas absurdas;” a escola pitagórica, como o “igual multiplicado pelo igual;” a escola sofística, como “um mero produto da opinião de cada um;” a escola socrática, como “a sapiência enquanto conhece e obedece às leis que regulam as relações do homem com o seu semelhante;” a escola de Aristóteles, como o “o produto de uma necessidade do organismo social;” Zenon, como “uma das manifestações da razão universal;” os romanos, como “a vontade firme e constante de dar cada um o que lhe pertence;” Kant, como “as injunções do imperativo categórico em relação ao livre arbítrio de cada um;” Spencer, como “certas relações entre os homens fora das quais não pode haver aquela correspondência das condições internas com as externas que constituem o princípio da vida.” Nenhum conceito de justiça na multiplicidade dos princípios tem aquela divina simplicidade do “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” 


A justiça precisa ser iluminada por essa tocha divina. Sim, os propósitos de regeneração devem-se abeberar nessas fontes de tão sadia moral; esses seculares preceitos divinos devem ser o guião das consciências; a invocação desses pios influxos deve ser o critério dos nossos atos de tão subida gravidade!”


Agora, atinando um pouco com a responsabilidade do meu discurso, lembro-me que, sob o falso pretexto da liberdade do culto tão felizmente assegurada pela estatuto constitucional, alguém talvez se moleste com essa solenidade! 


Mas, valha-me Deus! Que é isto senão a liberdade do culto no impulso religioso de quase toda esta Paraíba em peso!”


Felizmente a nossa República já vai se libertando do sectarismo estreito e enfezado que por tanto tempo a dominou. O nome de Deus voltou a aparecer em documentos oficiais e há de ressurgir em breve, vigoroso e fecundo, o sentimento religioso, como um dique oposto à onda de lama que está arruinando os alicerces da sociedade brasileira. 


Demais, sobre não contrariar ao preceito constitucional, a reposição do Cristo no júri, há aí os prestigiosos pareceres dos mais abalizados jurisconsultos pátrios, desde Rui Barbosa a Lacerda de Almeida.  


Mártir da mais desalmada iniquidade de todos os séculos, deste canto onde estás com o rosto desfigurado e as carnes rotas, incuti aos homens de minha terra a suprema virtude que á a coragem de fazer justiça.


José Américo de Almeida, “Discurso na solenidade de reposição da imagem Cristo crucificado no tribunal do Júri da Paraíba”, 1 de novembro de 1913 


Excerto extraído da obra: Cônego Francisco Lima, “Dom Adauto: Subsídios biográficos Tomo I”, pág. 341, 342 e 343


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Nota biográfica: Beato Anacleto González Flores

Nota biográfica: Dom Joaquim Antônio de Almeida

Carta coletiva do episcopado mineiro sobre o pleito eleitoral de 1910